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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Sursis processual e procedimentos do CPP - por favor, não falseie entendimento jurisprudencial

Não vejo muita utilidade em postar coisas no blog para "sentar o pau" em posicionamento doutrinário com o qual não concordo. O exercício da crítica é bem-vindo - e faço aqui uma distinção necessária entre o que seja crítica e "pichação". Mas hoje não tem jeito. Li um artigo que saiu no "Direito & Justiça" - suplemento do jornal "Correio Braziliense" que me irritou.
Refiro-me ao artigo "O instituto da suspensão condicional do processo e a reforma do CPP" - texto disponível aqui. No texto, sustentam os autores que a proposta de suspensão condicional do processo só deve ser apreciada após a fase mencionada no art. 399 do CPP, e não na fase mencionada no art. 396.
Vale aqui fazer uma síntese: no procedimento comum ordinário e sumário, o juiz aprecia a ação penal ofertada à luz do art. 395 do CPP (hipóteses de rejeição da denúncia) e, então, recebe-a ou a rejeita. Seguidamente, ordena a citação do denunciado, que ofertará resposta preliminar por escrito (art. 396). Na resposta preliminar, o agora acusado poderá alegar todas as matérias deduzidas no art. 396-A. E aí o Juiz aprecia se o caso comporta absolvição sumária (art. 397). Se não for o caso de absolvição sumária, vamos ao art. 399 do CPP - o Juiz designa data para a audiência, na qual será colhida a prova oral, as partes debaterão oralmente e, enfim, o Magistrado sentenciará o feito.
Diz o art. 89, § 1.º, da L. 9.099/95: "Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova". Logo, vê-se com clareza que a proposta de sursis é analisada após o recebimento da denúncia.
No procedimento comum (ordinário ou sumário), o recebimento se dá expressamente na fase do art. 396 do CPP. A redação - que vários autores tem criticado, com razão - causa certa espécie porque foi objeto de acréscimo no Senado Federal - é dizer, a Lei 11.719/08, que alterou o CPP nessa parte, trouxe redação distinta do projeto que a originou. Mas, em que pese a discussão, parece claro: o recebimento da denúncia dá-se antes da oferta de resposta por escrito pelo denuncinado.
Bom, até aí, tudo bem.
Voltemos à razão da minha rabugice. No artigo publicado hoje, sustenta-se que a proposta de sursis deve ser analisada após a resposta preliminar escrita ofertada pelo denunciado. Ok, é um posicionamento sustentável e razoável. Não há problema algum nisso, embora não seja essa a orientação hoje prevalecente. O que me chateou foi a afirmação de que essa posição é lastreada pelo Supremo Tribunal Federal. Não é! Fez-se menção ao que decidiu o Tribunal na PET 3.898. O caso ali, contudo, é bastante diferente.
Aos mais pacientes, leiam o inteiro teor aqui. Mas eu adianto: trata-se do caso em que o STF discutia proposta de suspensão ofertada a réu que gozava do predicamento do foro por prerrogativa de função. Por isso, a persecução penal se realizou inicialmente no próprio STF. O procedimento, óbvio, é outro: trata-se daquele previsto na Lei 8.038/90. Nesse procedimento especial, previsto em lei própria, o recebimento da ação penal efetivamente dá-se após a resposta escrita do denunciado. É diferente: lei especial, situação própria.
A leitura do artigo induz o incauto a erro: o STF não decidiu que a proposta de sursis, nos procedimentos descritos no CPP, é analisada após a resposta escrita do denunciado. A decisão é muito clara: refere-se ao procedimento específico da Lei 8.038/90. Espero que o equívoco tenha se dado por conta do "ementismo" que toma conta de nós hoje em dia - essa postura de reproduzir entendimentos jurisprudenciais de modo irresponsável, a partir do texto veiculado na ementa, sem nos atentarmos ao que efetivamente decidiu o Tribunal no caso concreto.
Fica a advertência. E a minha tristeza porque não é necessário falsear jurisprudência para fazer de um posicionamento (respeitável, embasado - vale dizer -, embora com ele eu não concorde) algo mais convincente.
Até a próxima,

2 comentários:

  1. "Além do mais, o sursis processual nada mais é do que um poder-dever do MP, o que em nada justifica a posição aventada pelo artigo criticado, ao passo que a decisão que recebe a denúncia do 396 vem lastreada em um juízo mínimo referente à justa causa da ação penal - sem análise efetiva do contraditório e ampla defesa mas que recebe ou não a denúncia. O cotejo relacionado aos fatos submetidos ao contraditório e ampla defesa é algo que só irá ocorrer nas hipóteses do 397 ou 399, que trata de um juízo de mérito, completamente diferente ao que recebe a ação penal.
    Isso não causa prejuízo ao réu, que pode recusar o benefício e aduzir sua absolvição com base no 396-A. No mais, vale dizer, que nada impede que a defesa, uma vez preenchido os requisitos do 89, solicite, em sede de resposta à acusação, que tal seja aplicado. Nota-se que o MP, não o tendo oferecido, pode acatar tal pedido e concedê-lo no 399. Como dito, é poder-dever seu, discricionariedade sua.
    A posição dos autores, de que tal só deveria ser aplicado no 399, somente se sustenta entendendo-se que tal seria um direito subjetivo do acusado, exigindo-se portanto, uma decisão valorada sobre a necessidade de sua aplicação quanto à presença dos requisitos expostos na 9099. Por outro lado, tal posição é rechaçada pelos próprios tribunais de justiça, o que dirá pelo pretório excelso.
    Como dito pelo Dr. Suxberger, posições diversas existem e devem ser respeitadas, mas não de forma a falsear a realidade dos tribunais pátrios."
    Att. Tiago Borges Fonseca

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  2. O comentário do Tiago saiu melhor que o meu texto...
    :)

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