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quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Avatar e a inversão ideológica dos Direitos Humanos


Avatar e a inversão ideológica dos Direitos Humanos
Por Antonio Suxberger

Embora a presença de um roteiro consistente não seja a tônica do filme “Avatar”, de James Cameron, a história contada pelos mais modernos efeitos especiais (até o momento) da história do cinema não deixa de trazer algumas reflexões, especialmente no campo dos direitos humanos.
Lançado no ano de 2009, o mais novo filme do canadense James Cameron – produtor, roteirista e diretor do filme – vem sendo pensado e produzido há quase uma década por seu criador. O produto final não é fruto da tecnologia atual: ao revés, foram desenvolvidas técnicas e máquinas específicas para permitir o espetáculo de imagens vivenciado a partir da “experiência sensorial” (segundo a exagerada expressão de Cameron, um dos mais bem sucedidos e premiados cineastas de nosso tempo) que o filme proporciona. Essa assertiva não deixa de ser curiosa, quando se pensa na relação entre práticas sociais e teorias no campo dos direitos humanos.
No filme, em meados do século XXII, no distante planeta de Pandora, os Na’vi, raça humanóide lá existente, são apresentados como um amálgama de nossas civilizações indígenas e africanas, seja pela interrelação cultivada com a natureza, seja pela compreensão de sua própria existência imersa em algo maior, ambiental e espiritualmente inseridos, na natureza que os circunda e permeia. Nesse mundo, uma empresa do nosso planeta constata a presença de um recurso chamado “unobtainium”, que pode vir a solucionar os problemas da matriz energética terráquea. A extração desse produto esbarra na franca e completa destruição do ecossistema de Pandora e, por conseqüência, da própria espécie Na’vi. Daí o mote do filme: um ex-militar é selecionado para interagir com os Na’vi por intermédio de seu avatar – um corpo oriundo da mescla genética entre os Na’vi e os humanos –, tudo para melhor permitir a ação humana destinada a retirar dali o valioso recurso energético. Inserido na cultura e vivência Na’vi, ele se volta à proteção deles, ainda que para isso tenha que enfrentar sua própria espécie de origem.
O protagonista é nosso herói: ao tomar consciência de uma cultura diversa da sua, em que a relação com o entorno limita e funda a própria existência, ele nos força a também refletir sobre nossa própria situação e como nós nos relacionamos com o nosso entorno. Não deixa de ser curioso que a produção seja norte-americana e que sua estréia mundial se dê nos últimos dias de realização da COP15 (United Nations Climate Change Conference), na cidade de Copenhague, Dinamarca. É que são os Estados Unidos o país que, se não o que mais tem refutado a aderir aos protocolos de preservação do clima, nos faz pensar nas graves conseqüências que a negativa de preocupação ambiental tem ensejado nesse início de século XXI.
A vilania do filme “Avatar”, representada pela exploração econômica a qualquer custo dos recursos naturais de um planeta, ainda que em detrimento de toda uma existência sustentável e culturalmente fundada nessa mesma natureza, contrasta com o selo de origem da mensagem que nos é entregue. Se o filme se presta como alerta, tal aferição só pode ser mesmo constatada enquanto vontade ou desejo de seus realizadores. Mas é interessante verificar que o filme, bem a sua maneira, nos traz uma reflexão curiosa sobre a temática dos direitos humanos.
Além das candentes questões atinentes ao multiculturalismo, que envolve a relação entre o protagonista e a sua “inserção” num universo cultural paradigmaticamente diverso daquele em que se encontrava, a temática do filme bem nos mostra a diferença existente entre a compreensão dos direitos humanos como ação política e como prática discursiva.
Com efeito, Franz Hinkelammert nos adverte que a história dos direitos humanos modernos é a história de sua inversão, que transforma as constantes violações desses direitos em um imperativo categórico da ação política (La inversión de los derechos humanos: el caso de John Locke. In: HERRERA FLORES, Joaquín (org.). El vuelo de Anteo: derechos humanos y crítica de la razón liberal. Bilbao: Desclée de Brouwer, 2000, p. 80 et seq.). Se as nações indígenas americanas ou mesmo os povos da África subsaariana viviam – e viviam bem – absolutamente indiferentes ao conceito (universalmente apresentado, mas contextualizadamente europeu-continental) de propriedade, só mesmo a construção do conceito de “estado natural”, a permitir a seguinte elaboração de uma respectiva ética, pretensamente justificou a idéia de que o homem fosse o juiz da natureza em que inserido. Curiosamente, esse direito de ser juiz da natureza em que inserido passa a ser compreendido como um direito natural. Essa tradição de discurso sobre direitos humanos, que nos coloca senhores daquilo que nos envolve, não deriva de uma prática política, mas substancia uma ação política em si. E essa constatação faz-se necessária sem rodeios: claro, pois não apenas justifica um contexto de apropriação do estado natural de coisas, mas estabiliza tal contexto. Em verdade, passa a apresentá-lo como um “dado” e, por conseguinte, imutável.
Verdadeiramente, ao se retirar os direitos desses povos que então se viam inseridos e bem colocados em suas relações com o entorno, substituímos tais direitos por direitos de um sistema por nós construído. E tal verificação só ganha contorno de realidade quando lançada em nossa retina por meio dos espetaculares efeitos especiais do filme “Avatar”. Soa irônico, ou mesmo risível, que tenhamos que nos enxergar – com nossas mazelas e fixações culturalmente impostas, que insistem em assumir nossos construídos como se fossem dados imutáveis – em seres azuis, de quase três metros de altura, criados por computação gráfica. Ao final do filme, fica a dúvida cruel no espectador: o encanto com os Na’vi dá-se em razão do colorido do mundo deles apresentado com a riqueza de efeitos que só mesmo uma produção multimilionária proporciona ou porque nos vemos, como num espelho turvo e alquebrado, em cada um dos canalhas da empresa que busca a extração do valioso material energético de Pandora?
Seja lá qual for a razão da construção dessa identidade, tal como se dá na relação entre a tecnologia e a produção do filme “Avatar”, aqui também as teorias só terão valia se se prestarem a justificar ou criar novas práticas sociais de acordo com uma orientação eticamente dirigida a um mundo mais igual. E convém fixar o lugar dessas teorias: são apenas teorias, porque, se elas não se prestarem a nos aproximar um pouco mais de Pandora, que então criemos outras, em lugar de simplesmente fecharmos os olhos para a nossa realidade e nossos espelhos tortos e alquebrados.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Investigação criminal - a tal expressão "Polícia Judiciária"

Segue uma boa referência de texto em que o autor, embora de forma sintética, esclarece o equívoco a respeito da utilização da expressão "Polícia Judiciária".
http://www.metajus.com.br/textos-nacionais/investigacao-criminal-garantismo-bruno.doc

Indicação de leitura - Prisão cautelar - Rogerio Schietti

A indicação de leitura, para o tema da Prisão Cautelar, é o livro "Prisão Cautelar: dramas, princípios e alternativas", de Rogerio Schietti Machado Cruz, Ed. Lumen Juris. Logo abaixo, reproduzo a capa do livro e o texto da introdução. O prefácio do livro é do Min. Sepúlveda Pertence.
Vale a pena conferir! Mais informações sobre o livro em
http://www.metajus.com.br/


PRISÃO CAUTELAR: DRAMAS, PRINCÍPIOS E ALTERNATIVAS
INTRODUÇÃO
“Todo auto de autoridade de um homem em relação a outro que não derive da absoluta necessidade é tirânico” (Montesquieu)
Já se afirmou, com propriedade, que se alguém desembarca em um país desconhecido e deseja saber se as liberdades públicas são protegidas deve pedir para ver seu ordenamento processual penal. Isso porque, na ponderação dos interesses em jogo, que são, de um lado, o direito à liberdade de todo indivíduo e a presunção de sua inocência e, de outro lado, o direito da sociedade de manter a ordem e a segurança para a convivência social pacífica, é possível avaliar a ideologia presente em cada período histórico de um povo, de acordo com a primazia de um ou de outros desses interesses, o que se faz, principalmente pelo estudo das relações entre a potestade punitiva (ius puniendi) e a potestade coercitiva (potestas coercendi), de um lado, e as liberdades públicas, de outro.
GOLDSCHMIDT (1935, p. 67) salienta que a estrutura do processo penal de uma nação não é senão o termômetro dos elementos corporativos ou autoritários de sua Constituição. Ou, como prefere dizer ROXIN (2000, p. 10), "o processo penal é o sismógrafo da Constituição do Estado".
De fato é o Código de Processo Penal de uma nação que permite ao observador desvendar a relação existente entre o Estado e o indivíduo, relação essa que, em uma dada sociedade civilizada, não pode ser vista como uma relação entre inimigos. No conflito entre o interesse estatal na punição dos culpados (ius puniendi) e o interesse individual na manutenção da liberdade (ius libertatis), é o Estado mesmo que está obrigado a garantir ambas as metas apenas aparentemente opostas: assegurar a ordem e a segurança públicas e defender a liberdade (em sentido lato) do indivíduo.
Isso se realiza em um Estado de Direito, no qual a proteção da sociedade contra os desvios de comportamento de seus integrantes, assim definidos em um Código Penal, se resolve mediante regras previamente estabelecidas em um Código de Processo Penal, tendo como norte e limite de atuação os valores, os princípios e as garantias fundamentais indicadas, explícita ou implicitamente, na Carta Maior.
O Código de Processo Penal relaciona-se, portanto, de modo intenso e permanente com a Constituição, de modo a existir uma verdadeira complementariedade funcional entre tais diplomas normativos. A Constituição Federal enuncia, sinaliza, programa; o Código de Processo Penal realiza, cumpre, concretiza tal programa normativo.
Mais do que tanto, o Código de Processo Penal é quem dita a velocidade da persecução penal, principalmente por meio dos procedimentos, que podem refletir um modelo mais escrito, segmentado, burocrático e pesado, como são, via de regra, os procedimentos previstos no nosso Código de Processo Penal; ou podem ser mais abertos aos princípios que melhor se ajustam a tal idéia, como é o caso dos Juizados Especiais Criminais, regidos por critérios (ou princípios) de oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, este último nada mais do que a natural conseqüência da aplicação dos anteriores.
No tocante ao perfil dos protagonistas do processo penal, que são os condutores desse veículo normativo – nomeadamente os que agem em nome do Estado –, a necessária percepção de que atuam sob o regramento de um Estado de Direito Constitucional os impele a agir com absoluto respeito ao devido processo legal, sine ira (CARULI, 1967, p. 149), de modo imparcial (o juiz), sob critérios de objetividade (o Ministério Público), sem relação de antagonismo pessoal ou interesse material contraposto ao do réu, sem simpatias ou antipatias pessoais, sem favoritismos ou perseguições.
Preocupados em descobrir a verdade, como condição prévia à realização da justiça, juiz e Ministério Público tomam, como norte de sua atuação, os valores que permeiam a atividade jurisdicional, entre os quais a liberdade, a segurança, a igualdade e a justiça. Devem, portanto, estar cientes de que, como destaca FIGUEIREDO DIAS (1984, p. 43), o fim do processo “só pode ser a descoberta da verdade e a realização da justiça”, por meio de uma decisão obtida de modo “processualmente admissível e válido” (FIGUEIREDO DIAS, 1984, p. 49).
Isso porque “interessando à comunidade jurídica não só a punição de todos os culpados mas também – e sobretudo dentro de um verdadeiro Estado de Direito – a punição só dos que sejam culpados, segue-se daí que ao Ministério Público, como órgão de administração de justiça, há de competir trazer à luz não só tudo aquilo que possa demonstrar a culpa do argüido, mas também todos os indícios de sua inocência ou da sua menor culpa”. Destaca o mestre lusitano que, mesmo sob o ponto de vista prático, não faz sentido extirpar do Parquet esse dever de objetividade, pois graças a ele resulta um “muito menor número de processos penais infundados ou mal fundados” com os quais os tribunais terão de ocupar-se” (FIGUEIREDO DIAS, 1984, p. 369) .
Tanto o juiz quanto o órgão oficial de acusação devem, portanto, agir dentro do modelo que CARRARA identificava como 'informativo', em oposição ao que ele chamava de 'ofensivo', no qual o julgador se colocava no processo como um inimigo do réu, buscando o delito no encarcerado.

Prisão preventiva e garantia da ordem pública

O tema da prisão preventiva é de relevância fundamental. Talvez a maior dificuldade para a sua compreensão, dada a ausência de sistematicidade na abordagem do instituto, reside na concreção do que se entende (ou se deve entender) a respeito da "garantia da ordem pública". A partir da leitura do HC 89.238 do STF, destaquei alguns trechos do voto do relator, que trazem uma boa resenha da abordagem jurisprudencial sobre questões importantes sobre a prisão preventia para garantia da ordem pública. O texto está na página de arquivos e o link direto é o seguinte:
http://sites.google.com/site/monofinal/leituras-de-processo-penal-na-fesmpdft/Pris%C3%A3opreventivaegarantiadaordemp%C3%BAblica-excertosHC89238STF.docx?attredirects=0&d=1
Não deixem de conferir!

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Arquivos de power point

Confiram as apresentações em "power point" que utilizei na sala de aula aqui:
Continuação do tema "ação penal privada" e "prisões cautelares".
http://sites.google.com/site/monofinal/leituras-de-processo-penal-na-fesmpdft/FESMPDFT-aulaa%C3%A7%C3%A3openalprivadaepris%C3%B5escautelares2009.ppt?attredirects=0&d=1
Jurisdição e competência (aula do dia 2 dez. 2009):
http://sites.google.com/site/monofinal/leituras-de-processo-penal-na-fesmpdft/FESMPDFT-Jurisdi%C3%A7%C3%A3oecompet%C3%AAncia2009.ppt?attredirects=0&d=1

Artigo sobre ação penal nos crimes contra a dignidade sexual

O artigo a que eu me referi na aula está aqui: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13589
Segue a referência: ÁVILA, Thiago André Pierobom de. A nova ação penal nos crimes contra a dignidade sexual. Uma análise da Lei nº 12.015/2009. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2278, 26 set. 2009. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2009.
Excelente texto: apresenta síntese das modificações operadas pela Lei 12.015, além de analisar as recentes contribuições doutrinárias sobre o tema da ação penal. Ao final, traz síntese esquemática a respeito do tema e ainda apresenta prognose sobre os possíveis entendimentos prevalecentes sobre a aplicação da lei 12.015 no tempo.
Leitura indispensável!

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

PROCESSO PENAL

Princípios do Processo Penal

1.1. Oralidade

Contrapõe-se à escritura. Garantia de liberdade no processo. Consequências da oralidade:

Princípio da imediatidade (ou imediateza): contato direto do juiz com as partes e as provas.

Princípio da identidade física do juiz: o CPP passou a adotar com a reforma havida em 2008.

Princípio da concentração: reduzir os atos e as audiências ao máximo, em curtos intervalos, aproximando-os uns dos outros de forma a manter viva a impressão oral colhida pelo julgador, e permanente no desenrolar do processo (exemplo: judicium causae do procedimento do Tribunal do Júri).

1.2. Certeza ou Verdade Material

Trata-se da busca da verdade material ou verdade real. O que se busca é uma certeza, e não a verdade (esta é inatingível). Quando falta a certeza, na impossibilidade de a alcançar, esgotada toda a atividade razoavelmente desenvolvida pelo juiz e pelas partes, o juiz tem o dever de absolver. Na formação da certeza, cabe a mais ampla liberdade na atividade probatória.

Verdade material e liberdade probatória. Observância das garantias e a opção por um modelo garantista. Verdade processual em Ferrajoli.

1.3. Oficialidade

A persecução penal se faz por intermédio de órgãos oficiais do Estado (magistratura, ministério público, delegado, etc.) e de modo documentado. Exceção é a ação penal privada.

Oficiosidade: as autoridades devem agir ex officio, independentemente de provocação (exceção: ação penal pública condicionada e ação penal privada).

Autoritariedade: os órgãos incumbidos da persecução penal são autoridades públicas e somente eles podem proceder à investigação ou determinar seu início.

1.4. Indisponibilidade

Oferecida a denúncia ou manifestado recurso pelo MP, não se admite desistência (CPP 42 e 576). O arquivamento do inquérito submete-se ao controle do Poder Judiciário. Esse princípio não se aplica aos crimes de ação privada. Há disponibilidade relativa nos crimes de ação pública condicionada, pois, embora seja retratável a representação, a ação não admite desistência depois de proposta pelo MP (a ação se torna “irretratável”).

1.5. Iniciativa das partes

O exercício da ação penal é entregue a uma das partes. O processo jamais se iniciará por iniciativa do juízo.

1.6. Limites do pedido (Congruência)

É o princípio da demanda. O pedido delimita a pretensão deduzida em juízo e, por conseguinte, baliza a apreciação pelo juiz. Ne eat iudex ultra petita partium. Emendatio e Mutatio libelli (CPP 383 e 384). Considerações sobre a mutatio libelli após a reforma de 2008.

1.7. Constitucionais

1.7.1.   Tutela jurisdicional

Eleva o direito de ação a categoria de direito público subjetivo.

1.7.2.   Legalidade

Refere-se ao devido processo legal. Duplo grau de jurisdição. Dever de motivação das decisões. Princípio da imutabilidade da coisa julgada.

O devido processo legal é o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais são espécies. Envolve o trinômio Vida-Liberdade-Propriedade. Devido processo legal substantivo e formal.

Para Celso de Mello, o devido processo legal, em sua acepção formal, compreende: igualdade das partes, garantia do jus actionis, respeito ao direito de defesa, contraditório.

Princípios derivados do devido processo legal: isonomia, juiz e promotor natural, inafastabilidade do controle jurisdicional (princípio do direito de ação), contraditório, proibição da prova ilícita, publicidade dos atos processuais, duplo grau de jurisdição, motivação das decisões judiciais.

1.7.3.   Contraditório

Acusação e réu situam-se em pé de igualdade diante do juiz.

Binômio informação (sempre) e reação (eventual). No processo penal, o contraditório deve ser necessariamente efetivo, real, substancial.

1.7.4.   Ampla defesa

Defesa efetiva. Ciência a uma das partes dos atos praticados pela outra parte. Termo de contrariedade. Direito à produção de provas. Defesa técnica.

Assim, a ampla defesa pode ser vista em três dimensões: direito de audiência, autodefesa, defesa técnica.

1.7.5.   Nemo tenetur se detegere

CF 5.º, LXIV e CADH 8.º, 2. Trata-se do privilégio da não auto-incriminação. Abrange o direito ao silêncio e todos os seus consectários: a defesa fala por último, argumentação sucessiva alternativa, utilização de argumentos não técnicos etc.

A relevância do privilégio e o fornecimento de meios de prova pelo próprio acusado: bafômetro, material para confronto grafoscópico, participação em reconstituição do crime, material para exame de DNA etc.

Distinção entre meios: invasivos e não invasivos. A compreensão da chamada “submissão passiva”.

 

1.7.6.   Vedação de múltipla persecução penal (ne bis in idem)

CADH 8.º, 4.

A vedação de duplo julgamento. A garantia de vedação de double jeopardy. Hipóteses e casuísticas de violações desse princípio. Menção a soluções do direito comparado.

1.7.7.   Igualdade ou Paridade de armas

As partes situam-se num patamar de igualdade no processo penal. Decorre da adoção do sistema acusatório.

1.7.8.   Presunção de inocência

Razão de ser de sua redação dúbia: debate entre a Escola Clássica (Carrara) e as Escolas Positiva e Técnico-Jurídica (Ferri, Manzini, Rocco). A influência do regime fascista italiano no Direito Processual Penal brasileiro. Trecho da Exposição de Motivos do CPP de Francisco Campos (ver no CPP). Quis o legislador brasileiro adotar uma postura neutra, asséptica, no que concerne à posição do acusado frente ao processo penal. Com a CF/88, não conseguiu.

Constitucionalização da presunção de inocência: aplicação imediata do preceito e vinculação de todos que lhe devem obediência.

Tríplice função:

REGRA PROBATÓRIA (Cf. o art. 8.º, 2, da CADH: “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”). A distribuição do ônus da prova e sua visão contemporânea que o deixa a cargo do órgão estatal incumbido da acusação. As observações de Afrânio Silva Jardim e de Eugenio Pacelli sobre o tema.

REGRA DE TRATAMENTO: Impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de culpabilidade (banco dos réus, uso de algemas, divulgação abusiva de fatos, prisão cautelar desnecessária, recolhimento à prisão como pressuposto do exercício do direito ao recurso, vedação de execução provisória da pena).

REGRA DE GARANTIA: a atividade acusatória ou probatória deve observar estritamente o ordenamento jurídico, de sorte que se permita uma construção legitimada frente à Constituição para afastar a inocência do sujeito de direitos que é o réu.

A presunção de inocência tem reflexo também no Direito Penal, na medida em que substancia um mandamento ao legislador que veda a fixação de responsabilidade penal amparada em fatos presumidos ou em presunção de culpabilidade.

1.7.9.   Juiz Natural

Duplo aspecto. Juiz é o órgão investido de jurisdição. Proibição de criação de órgãos julgadores post factum. Todo cidadão tem direito a ser julgado por um magistrado com competência previamente definida em lei.

Vedação ao Tribunal de exceção.

Juiz competente, pré-constituído, lei.

Juiz imparcial.

Imparcialidade do Juiz. O magistrado deve guardar posição eqüidistante em relação às partes. Busca da imparcialidade, que não se confunde com a neutralidade (inatingível).

1.7.10.Promotor Natural

Decorrência da própria idéia de Juiz natural. Magistratura pró-sociedade. Repugnância à figura do “acusador de exceção”.

Precedentes relevantes: STF, HC 67.759/RJ; STF, RE 387.974/DF.

Cf. também HC 83.463/RS;

1.7.11.Publicidade

Acusação e defesa desenvolvem-se publicamente, para que, publicamente, se decida a causa posta em juízo.

Publicidade imediata: todos os atos do processo estão ao alcance de todos.

Publicidade mediata: os atos processuais se tornam conhecidos por meio de certidão.

Publicidade geral: publicidade em sentido amplo.

Publicidade restrita: refere-se às partes no processo. Exemplo: CPP 792.

Tribunal do Júri: vedada a publicidade restrita. Recepção da “sala secreta” pela CF/88? James Tubenchlak e Hermínio Marques Porto. Sim. Amolda-se à cláusula constitucional do “sigilo das votações”.

1.7.12.Duplo grau de jurisdição

Duplo grau de jurisdição: confiabilidade, maior experiência dos juízes, julgamento colegiado e controle interno do próprio Judiciário (satisfaz a exigência de uma explicação o mais perfeita possível da atividade jurisdicional). Críticas: desprestígio ao juiz de primeiro grau e desprestígio à oralidade.

A Constituição de 1988 consagra o duplo grau de jurisdição?

Argumentos favoráveis: estrutura do Poder Judiciário prevista no texto constitucional, a expressão “recursos” contida na cláusula constitucional de ampla defesa, o desdobramento do direito constitucional de ação e a previsão expressa contida no Pacto de São José da Costa Rica (status de norma constitucional do Pacto de São José: art. 5.º, § 2.º, da CF/88).

Argumentos contrários: não há previsão constitucional de duplo grau; o que se assegura é o direito à revisão, e não à apreciação por outro órgão; as normas do Pacto de São José (CADH) não possuem status constitucional.

A compreensão do princípio do duplo grau de jurisdição pelos Tribunais pátrios: sentido e alcance.

Cf. STF, RHC 79.785/RJ (julgado anterior à EC 45/2004, que inseriu o § 3.º ao art. 5.º da CF.

1.7.13.Princípio da duração razoável e da celeridade

Novidade incluída pela Reforma do Judiciário:

Art. 5.º. omissis.

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

A metáfora de Aury Lopes Jr: o difícil equilíbrio do ciclista. A garantia de um processo que não seja tão rápido a ponto de solapar garantias, mas que não seja tão lento a ponto de transformar-se em uma pena de per si. O direito brasileiro adotou a teoria do não-prazo, isto é, não trouxe qualquer previsão expressa do que seja prazo razoável. Igualmente não trouxe sanções para a não observância do que se entenda por prazo razoável. Compreensão do princípio à luz da proporcionalidade e da ponderação de valores. Possibilidade de utilização de instrumentos como, por exemplo, a atenuante genérica prevista no Código Penal.

Duração razoável do processo - bom texto do Aury Lopes Jr.

Artigo do Boletim IBCCRIM nº 152 - Julho / 2005


A (de)mora jurisdicional e o direito de ser julgado em um prazo razoável no processo penal

Aury Lopes Jr.

Doutor em Direito Processual Penal, professor Prog. Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC/RS, pesquisador do CNPq e advogado



LOPES JÚNIOR, Aury. A (de)mora jurisdicional e o direito de ser julgado em um prazo razoável no processo penal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.13, n.152, p. 4-5, jul. 2005.

A) Introdução: ritmo social e tempo do Direito

Entre as modificações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45, está, finalmente, a consagração constitucional do “direito de ser julgado em um prazo razoável” (1), inserida agora no art. 5º, LXXVIII da CB, ainda que anteriormente já estivesse prevista nos arts. 7.5 e 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).

É inegável que o direito juridiciza o tempo e, por outro lado, o tempo, tem­poraliza o Direito. Trata-se de uma íntima relação e interação que vive em constante choque com o acelerado ritmo social que caracteriza a sociedade contemporânea, onde a velocidade é a alavanca do mundo (Paul Virilio). O presenteísmo e a cultura da urgência são estruturantes da nossa sociedade e, por conseqüência, afetam diretamente o processo penal e o ritual judiciário.

Ao lado de uma sociedade estupidamente acelerada, em que a urgência tornou-se a normalidade e o instantaneismo da tele-presença (tele-ação) uma rotina, o conflito com o ritmo lento do processo é inevitável e traumático. O difícil é convencer que não se pode pretender trazer para dentro do processo a mesma percepção que temos do tempo social ou do tempo midiático, pois o processo penal nasceu para retardar, para demorar, para evitar os juízos imediatos, sob o calor da emoção e a alucinação (2) da imagem.

Por outro lado, é elementar que o processo penal necessita de uma “aceleração”, mas não através da supressão de direitos fundamentais (aceleração antigarantista), senão pela inserção de tecnologia, resolução de primários problemas de recursos humanos, na racionalização de uma burocracia estupidamente retrógrada e que está arraigada no ritual judiciário (v.g. as absurdas decisões do STF considerando intempestivo um recurso apresentado antes da abertura do prazo!).

Tampouco podemos ir excessivamente devagar, pois o processo é uma pena, capaz de gerar um grave estigma social e jurídico (Goffman); um empobrecimento generalizado da pessoa; um stato di prolungata ansia, enfim um feixe de verdadeiras penas processuais que punem antes mesmo de a sentença ser proferida. E, quanto mais tempo demorar o processo penal, maior será a pena processual.

O problema aqui é a (de)mora jurisdicional, que nos remete ao próprio conceito (em sentido amplo) da “mora”, na medida em que existe uma injustificada procrastinação do dever de adimplemento da obrigação de prestação jurisdicional. É o não-cumprimento de uma obrigação de tutela claramente definida. Nessa perspectiva insere-se o direito de ser julgado em um prazo razoável ou a um processo sem dilações indevidas, previsto pelo art. 5º, inciso LXXVIII. Mas, como de costume, o instituto chega com bastante atraso e com uma disciplina legal precária, que conduzirá a uma provável ineficácia.

B) O erro: adoção da teoria do não-prazo

O que é duração razoável? O que é indevida dilação? Para ser “indevida”, deve-se buscar o referencial “devida”, enquanto marco de legitimação, verdadeiro divisor de águas. Igual raciocínio exige a “duração razoável”.

Eis aqui o mais grave erro do legislador brasileiro: desconhecer os mais de 30 anos de jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) nessa matéria.

Desde o caso “Wemhoff” (3) (STEDH de 27/06/1968), o TEDH vem debatendo-se em torno de critérios para definir o que seja um prazo razoável para julgamento. A discussão evoluiu e, atualmente, trabalha com as seguintes variáveis: a) complexidade do caso; b) a atividade processual do interessado (que obviamente não poderá se beneficiar de sua própria torpeza); c) a conduta das autoridades judiciárias (como um todo, abrangendo polícia, MP e juiz). A eles, acrescente-se o principio da proporcionalidade.

Mas o resultado final, ainda assim, é excessivamente vago e discricionário. Esse é o grave inconveniente da adoção da teoria do não-prazo, assim chamada pela falta de um critério claro (prazo) de duração do processo. A ausência de um limite de duração máxima do processo penal compromete a eficácia do direito de ser julgado em um prazo razoável, na medida em que conduz ao emprego de uma cláusula genérica (razoável duração), de conteúdo vago, impreciso e indeterminado.

Pastor (4) acertadamente critica a doutrina do não-prazo, pois se, inteligentemente, não confiamos nos juízes a ponto de delegar-lhes o poder de determinar o conteúdo das condutas puníveis, nem o tipo de pena a aplicar, ou sua duração sem limites mínimos e máximos, nem as regras de natureza procedimental, não há motivo algum para confiar a eles a determinação do prazo máximo razoável de duração do processo penal, na medida em que o processo penal em si mesmo constitui um exercício de poder estatal, e, como todas as demais formas de intervenção do Estado, deve estar meta­ju­di­cial­mente regulado, com precisão e detalhe.

C) O caótico sistema brasileiro

No Brasil, a situação é gravíssima, pois não existe limite algum para a duração do processo penal (que não se confunde com prescrição) e, o que é mais grave, sequer existe limite de duração das prisões cautelares. Infelizmente, a cada dia os Tribunais avalizam a (de)mo­ra judicial a partir dos mais frágeis argumentos, invocando a gravidade (in abstrato?), o clamor público (ou seria opinião publicada?), ou a simples rotulação de “cri­me hediondo”, como se essa infeliz definição legal se bastasse, auto-legitimando qualquer ato repressivo.

É óbvio que o legislador deve sim estabelecer de forma clara os limites temporais do processo e das prisões cautelares, até porque, as pessoas têm o direito de saber (dimensão democrática), de antemão e com precisão, qual é o tempo máximo que poderá durar um processo penal. Estamos diante de exercício de poder e que, portanto, necessita e exige limites e controle (inclusive temporal). Trata-se de um mínimo de respeito às regras éticas do jogo (e aqui emprego o conceito de Calamandrei, il processo come giuoco, ou de guerra, de James Golds­chmidt).

Um bom exemplo de limite normativo interno encontramos no CPP paraguaio: o prazo máximo de duração do processo penal será de 3 anos (art. 136), após o qual, o juiz o declarará extinto (adoção de uma solução processual extintiva). Também fixa um limite para a fase pré-processual, que uma vez superado, dará lugar a extinção da ação penal. Por fim, existe ainda a resolução ficta, quando a Corte Suprema não julgar um recurso interposto no prazo devido. Se o recurso é da defesa, uma vez superado o prazo máximo previsto para sua tramitação, entender-se-á que o pedido foi provido na sua integralidade. Quando o postulado for desfavorável ao imputado (recurso interposto pelo acusador), superado o prazo sem julgamento, o recurso será automaticamente rechaçado.

Além disso, deve-se estabelecer um dever de revisar periodicamente o decreto de prisão cautelar, pelo próprio juiz, como o fazem o CPP português (a cada 3 meses, art. 213.1) ou o alemão (a cada 3 meses, StPO § 122).

É fundamental definir claramente o prazo máximo de duração do processo penal, das prisões cautelares e, ainda, em relação a essas últimas, o dever de revisar periodicamente a medida, para evitar que o provisório transforme-se uma desmedida pena antecipada.

D) Em busca de “soluções”: compensatórias, processuais e sancionatórias

Reconhecida a efetiva violação do direito a um processo sem dilações indevidas, em síntese, deve-se buscar uma das seguintes soluções (5):

Na esfera cível, pode-se buscar uma compensação indenizatória, mas, no mínimo, o “dano processual” deve ser triplicado, diante da necessidade de a parte suportar dois processos de conhecimento (o penal, gerador do dano inicial, seguido do processo de conhecimento na esfera civil) e um de execução (cível). Contudo, em última análise, a violação do direito de ser julgado num prazo razoável conduz a reiteração da violação do mesmo direito, pois novamente o imputado terá de suportar a longa (de)mora judicial.

Na esfera penal, a compensação poderá ocorrer através da atenuação da pena ao final aplicada (incidência da atenuante inominada, art. 66 do CP) (6) ou mesmo concessão de perdão judicial, nos casos em que é possível (v.g. art. 121, § 5º, art. 129, § 8º do CP). Nesse caso, a dilação excessiva do processo penal — uma conseqüência da infração — atingiu o próprio agente de forma tão grave, que a sanção penal se tornou desnecessária. Outro caminho é a “solução” sancionatória, através da punição do servidor (incluindo juízes e promotores) responsável pela dilação indevida. Nessa linha vem a tímida (nova) redação do art. 93, II, “e” da Constituição. Mas todos esses instrumentos são paliativos. O ideal é operar na dimensão processual, com a extinção do feito pela demora excessiva (ou a pena de inutilizzabilità do art. 407.3 do CPP italiano), em prazos muito inferiores aos da prescrição (até porque, o objeto aqui é outro). Mas isso ainda encontra sérias resistências e o modelo brasileiro não contempla nenhuma solução verdadeiramente processual.

E) Concluindo: o difícil equilíbrio do ciclista

O primeiro problema é a falta de uma clara definição do prazo máximo de duração do processo penal. Esse é o ponto nevrálgico da questão. Contudo, diante da ausência, a consagração constitucional já representa um avanço democrático: respeitar o tempo-do-outro. A preocupação centra-se agora em acelerar o processo para evitar a ilegítima pena processual decorrente da (de)mora. Mas, ao mesmo tempo, recusar a aceleração utilitarista, fundada na supressão de direitos e garantias fundamentais. A solução está no difícil equilíbrio do ciclista (somente pos­sível no movimento): não correr demais, para não cair; não ir excessivamente devagar, porque senão, igualmente caímos. Esse é o equilíbrio que se busca, através da recusa aos dois extremos.

Noutra dimensão, jamais os fins justificam os meios, de modo que o reconhecimento da culpabilidade do acusado, através da sentença condenatória, não justifica a duração excessiva do processo. Tampouco podemos admitir o já surrado discurso do excesso de trabalho para justificar uma longa demora. Como bem decidiu o TEDH no caso “Bucholz”, é inadmissível transformar em “devido” o “indevido” funcionamento da justiça. Co­mo afirma O TEDH, “lo que no puede suceder es que lo normal sea el funcio­na­mien­to anormal de la Justicia, pues los Estados han de procurar los medios ne­ce­sa­rios a fin de que los procesos transcurran en un plazo razonable”.

Por fim, para compreender a verdadeira pena processual que encerra a demora indevida, recordemos de Einstein (7), na clássica explicação que deu sobre Relatividade à sua empregada: “quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita, durante uma hora, tem a impressão de que passou apenas um minuto. Deixe-o sentar-se sobre um fogão quente durante um minuto somente — e esse minuto lhe parecerá mais comprido que uma hora. Isso é relatividade”. Esse é o tempo no processo penal: tempo sentado na chapa quente do fogão.

Notas

(1) Sobre o tema, consulte-se nossa obra Introdução Crítica ao Processo Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005.

(2) LOPES Jr., Aury. “A contaminação da evidência sobre a verdade: prisão em flagrante, alucinação e ilusão de certeza”. In: Introdução Crítica ao Processo Penal, pp. 267 e segs.

(3) Cf. PASTOR, Daniel. El Plazo Razonable em el Proceso del Estado de Derecho, Buenos Aires: Ad Hoc, 2002, pp. 111 e segs.

(4) Idem, ibidem, p. 60.

(5) LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal, pp. 120 e segs.

(6) Nesse sentido, consulte-se o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Ap. nº 70007100902, 5ª Câmara Criminal, rel. des. Luiz Gonzada da Silva Moura, j. 17/12/2003.

(7) EINSTEIN. Vida e Pensamentos, p. 100.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Textos novos - Processo Penal

Atenção, há textos novos no nosso site.
http://sites.google.com/site/monofinal/leituras-de-processo-penal-na-fesmpdft
Vale conferir!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Teoria da pena - IDP (Aula 4 de 5)

Teorias da pena:
  • Retributivas
  • Prevencionais
  • Mistas

1) TEORIAS RETRIBUTIVAS

Ref.: Kant, Hegel, Carrara, Mezger, Maurach.

Características principais.

 
2) TEORIAS PREVENCIONAIS

PREVENÇÃO ESPECIAL

Ref.: Liszt, Marc Ancel.

- Correção (ressocialização); intimidação; privação da liberdade.

* falta de uma ética social fundamental

*ausência de delimitação temporal

*o que fazer com os crimes "ocasionais"?

*por quê e para qual sociedade se presta a pena?

PREVENÇÃO GERAL

Ref.: J. Bentham; L. Feuerbach; A. Schopenhauer.

Utilização do medo + valorização da racionalidade

*tendência ao terror estatal (Estado policial)

*ausência de delimitação do âmbito do que seja criminalmente punível

*carência de um substrato empírico

*"instrumentalização" do homem

 
3) FUNCIONALISMO TELEOLÓGICO (exemplo de abordagem eclética ou mista)

a) Âmbito de incidência: subsidiariedade e lesividade

b) Aplicação e mensuração da pena: prevenção geral (culpabilidade como "freio" e utilização da fórmula "culpabilidade + prevenção geral")

c) Execução da pena: prevenção especial e sua ordem de gradação (ou progressão)

*risco de arbitrariedades

*visão essencialmente prevencional

*confusão entre o que seja razão da pena (discussão da pena em si) e razão prática da pena (imposição da pena)

 

*Direito penal: "autoconstatação ideológica do Estado" - Bustos Ramírez

*O papel de exclusiva proteção de bens jurídicos (bem jurídico-penal: de limite à intervenção penal à ratio da intervenção penal)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Música e violência de gênero

Música brasileira e violência de gênero: é "normal"


Antonio Suxberger


As construções jurídicas, como tantas outras manifestações culturais, são orientadas – num jogo de tensão dinâmica e aberto – de acordo e para o contexto em que produzidos. Isso não significa afirmar um determinismo inafastável; ao revés, assumir esse caráter inegável de um determinismo ensejado pelo contexto seria lançar por terra um conteúdo minimamente ético das escolhas a respeito do exercício das potencialidades humanas. E isso, em tempos em que o ético se esvazia e o jurídico perigosamente se hipertrofia, seria demasiado perigoso.
A questão é outra: quando se tratamos de violência – fenômeno complexo e multiforme, que surge em suas mais diversas dimensões –, parece inafastável a compreensão do contexto subjacente a essa violência para melhor visualização do problema. O tema da violência de gênero é exemplo gritante dessa constatação.
Um passar de olhos – ou, melhor, de ouvidos – por muito da produção musical brasileira da década de 1970 e 1980 presta-se como bom exercício de visualização de muitos dos valores em nós incutidos ao longo dos anos e que passam desapercebidos como se fossem algo imutável ou “natural”. A referência, claro, é ao paradigma androcêntrico ou o paradigma do patriarcado, cujos efeitos aos poucos são percebidos e amiúde ainda negados.
Quando se fala em música popular brasileira, logo vem à mente um de seus representantes mais inspirados – seja por sua influência, seja pela beleza de sua poesia –, Vinícius de Moraes. É difícil negar a existência de uma redução da categoria do feminino. Na música “Samba da benção”, cuja composição Vinícius de Moraes compartilha com o igualmente brilhante Baden Powell, o poeta diz o seguinte:

Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que
ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer
coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor
machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita
apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão


Certo, mulher para amar, para sofrer pelo amor e para perdoar. O lirismo da letra contrasta com a dureza da percepção que o poeta afirma decorrer da tristeza de “se saber mulher”.
A leitura que ressalta o encontro do clássico samba com o molejo vanguardista que só a figura pessoal de Vinícius de Moraes realiza se repete em músicas de apreciação qualitativa, digamos, mais duvidosa. Sidney Magal é um cantor que se notabilizou na mesma década de 1970 como uma versão latina de Tom Jones: uma figura forte, imponente, sedutora e que procurava esbanjar sensualidade em suas apresentações. Suas músicas o apresentavam ora como um cigano, ora como um amante latino fervoroso. De temperamento “caliente”, parecia “natural” que Magal por vezes se valesse da violência para expressa seu excesso de paixão.
Numa versão brasileira da música de qualidade igualmente questionável do cantor argentino Cacho Castaña, Magal canta na música intitulada “Se te agarro com outro, te mato”:

[…]
Dizem que eu estou errado
Mas quem fala isto
É quem nunca
amou
Posso até ser ciumento
Mas ninguém esquece
Tudo o que
passou...
Se te agarro com outro
Te mato!
Te mando algumas flores
E
depois escapo...

A versão original, de Cacho Castaña, era ainda mais explícita: em lugar de “mandar flores”, ele avisava que daria mesmo uma surra em “sua” mulher. É possível citar tantas outras músicas, especialmente as chamadas “cafonas” ou “bregas”, que mencionam a violência de gênero como um verdadeiro escape para paixões irrefreáveis. Aliás, o notável cantor Lindomar Castilho fez de sua biografia um desses exemplos de violência de gênero.
Não se cuida de fazer um juízo moral a respeito dessas músicas. “Samba da benção” é música que guarda passagens muito bonitas, como aquela em que Vinícius de Moraes pontua que “a vida é a arte do encontro”. Mesmo Sidney Magal tem seus méritos, ao procurar uma sonoridade latina num país que insiste em se manter distante da América em que se situa. O juízo aqui é de simples constatação. Essas músicas, a exemplo de tantas outras, são simplesmente normais. Não chocam – nem poderiam chocar – aqueles que se encontram inseridos dentro de um contexto em que a violência de gênero é normal.
Num contexto assim, é natural mesmo que a mulher seja “apenas perdão” e, se alguém disser que há algo errado, deve ser porque “nunca amou”.

Links:
Vinícius de Moraes - Samba da benção http://www.youtube.com/watch?v=BH4hKPlcDkE
Sidney Magal - Se te agarro com outro, te mato! http://www.youtube.com/watch?v=50mU8ZIiqUw

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

PROCESSO PENAL

Não deixem de conferir o texto da Ada Grinover que eu coloquei aqui:
http://sites.google.com/site/monofinal/leituras-de-processo-penal-na-fesmpdft
Abs,

Aula 2 (26 ago. 2009) - PROCESSO PENAL

(continuação da aula anterior)
* Ainda a evolução do direito processual penal brasileiro.
  • Codicismo.
  • Ondas renovatórias do direito processual (CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. e rev. Ellen G. Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988).
  • Reformas pontuais.
SISTEMAS PROCESSUAIS
# Sistema Inquisitivo
- Apontamentos a respeito do processo penal antes do sistema inquisitivo.
- Características:
  • decisionismo judicial
  • juiz: figura multiforme (reunião das funções de julgar, acusar e defender)
  • processo sigiloso, procedimento escrito
  • réu: objeto do processo (direitos e garantias são obstáculo à realização da justiça penal)
  • prova tarifada/legal
  • contraste entre o caráter sigiloso do processo e a publicidade das execuções
  • "vinculação da atuação estatal na resolução dos conflitos na esfera penal às diretrizes políticas que modelam a estrutura do Estado e definem seus fins"
- Avanços (?):
  • oficialidade (a persecução penal passa a ser "questão de Estado");
  • busca da verdade material

#Sistema acusatório

A vinculação com a questão da democracia.

Características:

  • convencimento judicial
  • separação das funções (a relação entre Juiz, acusador e réu)
  • processo público, procedimento marcado pela oralidade (e seus consectários)
  • réu: sujeito processual (direitos e garantias evidenciam a razão fundante da própria persecução penal)
  • prova: persuasão racional (livre convencimento motivado)
  • imparcialidade do julgador

Avanços:

  • gestão da prova entre às partes;
  • distinção entre as funções de julgar e acusar

#No Brasil

Sistema misto (?). Críticas.

LEITURAS RECOMENDADAS:

PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001.

TUCCI, Rogerio Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: Jurisdição, Ação e Processo Penal (estudo sistemático). São Paulo: RT, 2002.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Teoria da Pena - IDP (Aula 1 de 5)

No dia 20/8/2009, abordamos o seguinte:
- Aproximação do tema e justificativa da abordagem.
- A importância da idéia de "complexidade" para a questão criminal (o conceito de idéia complexa é de Edgar Morin. Cf. MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Lisboa: Piaget, 2001. 177p.
- O debate sobre as teorias da pena é o debate sobre a legitimidade da intervenção penal (missões/funções do direito penal).
- Noções a respeito da feição do direito penal no Estado de Direito, no Estado liberal, no Estado social e no Estado democrático de Direito.
- A intervenção penal do Estado é (ou deve ser) reflexo do modelo de Estado eleito ou pretendido.
- A compreensão do crime como fenômeno socialmente construído.
- A abordagem criminológica: do paradigma ètiológico ao paradigma da reação social social.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Teoria da Pena - IDP

Já que eu quebrei a "exclusividade" do blog para a turma de direito processual penal, vou "bagunçar" a coisa toda então...
Este post se refere à primeira aula (de um total de cinco) da turma da disciplina "Teoria da Pena" do curso de pós-graduação lato sensu do IDP.
Abaixo, o endereço em que "carreguei" alguns arquivos com leituras pertinentes ao plano de ensino.
http://sites.google.com/site/monofinal/leituras-de-teoria-da-pena-idp
Abraços,

Aos alunos de Ministério Público

Este post é destinado à turma da disciplina "Ministério Público" (FESMPDFT).
Para abreviar a solução de problemas apontados por alguns alunos, da turma de Ministério Público (Curso "Ordem Jurídica e MP", turno matutino), disponibilizo os arquivos que enviei para consulta no material do "aluno on-line" do site da FESMPDFT.
Os arquivos podem ser encontrados aqui:
http://sites.google.com/site/monofinal/leituras-de-mp-na-fesmpdft
Já tivemos duas aulas de um total de quatro.
Adianto que, na próxima aula, finalizarei os temas atinentes aos princípios institucionais do MP e passaremos à análise da Lei complementar 75/93, que nos servirá como roteiro na abordagem de alguns temas mais polêmicos. Falarei das funções institucionais do MP (art. 5.º), dos instrumentos de atuação (arts. 6.º e 7.º), da polêmica a respeito da inoponibilidade de sigilo ao poder requisitório do MP (art. 8.º), da atividade de controle externo da atividade policial (arts. 3.º e 9.º) e do poder investigatório do Ministério Público. Parece muita coisa, não? Não se preocupem, porque, depois das explicações iniciais (primeira e segunda aula), a abordagem desses temas fluirá de modo fácil. Seguidamente, falarei do papel do procurador dos direitos do cidadão (arts. 11 a 16) e das garantias e prerrogativas do membro do MP (arts. 17 a 21).
É isso aí!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Para quem está estudando: um blog legal!

Alguém deveria providenciar um prêmio Nobel para esse cara...
É um blog em que o autor organizou, por temas, os mais recentes (aproximadamente dois anos) informativos do STJ e do STF.
Vale a pena conferir!
http://divisaoinformativos.wordpress.com/

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Aula 1 (13 ago. 2009)

- Apresentação do curso.
- Comentários sobre sugestões bibliográficas do nosso plano de ensino.
- Aproximação epistemológica do direito processual penal.
· Cotejo do direito processual penal com os paradigmas de Estado liberal, social e democrático de Direito.
- Apresentação do CPP brasileiro.
· Contexto de sua edição (Estado Novo – 1937-1945)
· Movimento Codicista
· Influência do Código de processo penal italiano de 1930 (Código Rocco)
- Evolução histórica do CPP brasileiro.
· Década de 1970 – “Lei Fleury”
· Abertura democrática
· Constituição de 1988 e a influência do direito comparado
· As reformas pontuais do CPP
- Onde situar hoje o direito processual penal brasileiro?
- Indicação de leitura: exposição de motivos do CPP.

domingo, 16 de agosto de 2009

Indicações de leitura

Pessoal,
criei um espaço para, quando necessário, carregar arquivos indicados para leitura.
O endereço é <http://sites.google.com/site/monofinal/leituras-de-processo-penal-na-fesmpdft>.
Abs,

Principais pontos das aulas

Ao término de cada aula, lançarei aqui no blog um resumo pontual do que tratei. Não se trata de uma síntese do conteúdo; a idéia é observar um "diário de classe" on line, especialmente para que possamos cotejar o que foi abordado com o aproveitamento de cada sobre as explicações.
Aos que gostam de anotar o que é dito em sala de aula, vale comparar com o resumo pontual; aos que não gostam, serve como roteiro. Aos que faltarem às aulas, servirá como um "mapa" para buscar as informações nos livros.
Abs,

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Bem-vindos à FESMPDFT - Direito Processual Penal

Olá, pessoal! Sejam bem-vindos à FESMPDFT, especificamente ao nosso curso de Direito Processual Penal.
Espero que este seja um espaço em que possamos, com dinamismo e simplicidade, facilitar o acompanhamento das aulas, fazer indicações de leitura e, principalmente, servir como espaço de discussão e amadurecimento sobre os temas de direito processual penal e ciências criminais de um modo mais amplo.
Então, que aproveitemos nossas experiências e tenhamos uma boa sorte nessa "jornada" que se inicia!