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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

PROCESSO PENAL

Princípios do Processo Penal

1.1. Oralidade

Contrapõe-se à escritura. Garantia de liberdade no processo. Consequências da oralidade:

Princípio da imediatidade (ou imediateza): contato direto do juiz com as partes e as provas.

Princípio da identidade física do juiz: o CPP passou a adotar com a reforma havida em 2008.

Princípio da concentração: reduzir os atos e as audiências ao máximo, em curtos intervalos, aproximando-os uns dos outros de forma a manter viva a impressão oral colhida pelo julgador, e permanente no desenrolar do processo (exemplo: judicium causae do procedimento do Tribunal do Júri).

1.2. Certeza ou Verdade Material

Trata-se da busca da verdade material ou verdade real. O que se busca é uma certeza, e não a verdade (esta é inatingível). Quando falta a certeza, na impossibilidade de a alcançar, esgotada toda a atividade razoavelmente desenvolvida pelo juiz e pelas partes, o juiz tem o dever de absolver. Na formação da certeza, cabe a mais ampla liberdade na atividade probatória.

Verdade material e liberdade probatória. Observância das garantias e a opção por um modelo garantista. Verdade processual em Ferrajoli.

1.3. Oficialidade

A persecução penal se faz por intermédio de órgãos oficiais do Estado (magistratura, ministério público, delegado, etc.) e de modo documentado. Exceção é a ação penal privada.

Oficiosidade: as autoridades devem agir ex officio, independentemente de provocação (exceção: ação penal pública condicionada e ação penal privada).

Autoritariedade: os órgãos incumbidos da persecução penal são autoridades públicas e somente eles podem proceder à investigação ou determinar seu início.

1.4. Indisponibilidade

Oferecida a denúncia ou manifestado recurso pelo MP, não se admite desistência (CPP 42 e 576). O arquivamento do inquérito submete-se ao controle do Poder Judiciário. Esse princípio não se aplica aos crimes de ação privada. Há disponibilidade relativa nos crimes de ação pública condicionada, pois, embora seja retratável a representação, a ação não admite desistência depois de proposta pelo MP (a ação se torna “irretratável”).

1.5. Iniciativa das partes

O exercício da ação penal é entregue a uma das partes. O processo jamais se iniciará por iniciativa do juízo.

1.6. Limites do pedido (Congruência)

É o princípio da demanda. O pedido delimita a pretensão deduzida em juízo e, por conseguinte, baliza a apreciação pelo juiz. Ne eat iudex ultra petita partium. Emendatio e Mutatio libelli (CPP 383 e 384). Considerações sobre a mutatio libelli após a reforma de 2008.

1.7. Constitucionais

1.7.1.   Tutela jurisdicional

Eleva o direito de ação a categoria de direito público subjetivo.

1.7.2.   Legalidade

Refere-se ao devido processo legal. Duplo grau de jurisdição. Dever de motivação das decisões. Princípio da imutabilidade da coisa julgada.

O devido processo legal é o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais são espécies. Envolve o trinômio Vida-Liberdade-Propriedade. Devido processo legal substantivo e formal.

Para Celso de Mello, o devido processo legal, em sua acepção formal, compreende: igualdade das partes, garantia do jus actionis, respeito ao direito de defesa, contraditório.

Princípios derivados do devido processo legal: isonomia, juiz e promotor natural, inafastabilidade do controle jurisdicional (princípio do direito de ação), contraditório, proibição da prova ilícita, publicidade dos atos processuais, duplo grau de jurisdição, motivação das decisões judiciais.

1.7.3.   Contraditório

Acusação e réu situam-se em pé de igualdade diante do juiz.

Binômio informação (sempre) e reação (eventual). No processo penal, o contraditório deve ser necessariamente efetivo, real, substancial.

1.7.4.   Ampla defesa

Defesa efetiva. Ciência a uma das partes dos atos praticados pela outra parte. Termo de contrariedade. Direito à produção de provas. Defesa técnica.

Assim, a ampla defesa pode ser vista em três dimensões: direito de audiência, autodefesa, defesa técnica.

1.7.5.   Nemo tenetur se detegere

CF 5.º, LXIV e CADH 8.º, 2. Trata-se do privilégio da não auto-incriminação. Abrange o direito ao silêncio e todos os seus consectários: a defesa fala por último, argumentação sucessiva alternativa, utilização de argumentos não técnicos etc.

A relevância do privilégio e o fornecimento de meios de prova pelo próprio acusado: bafômetro, material para confronto grafoscópico, participação em reconstituição do crime, material para exame de DNA etc.

Distinção entre meios: invasivos e não invasivos. A compreensão da chamada “submissão passiva”.

 

1.7.6.   Vedação de múltipla persecução penal (ne bis in idem)

CADH 8.º, 4.

A vedação de duplo julgamento. A garantia de vedação de double jeopardy. Hipóteses e casuísticas de violações desse princípio. Menção a soluções do direito comparado.

1.7.7.   Igualdade ou Paridade de armas

As partes situam-se num patamar de igualdade no processo penal. Decorre da adoção do sistema acusatório.

1.7.8.   Presunção de inocência

Razão de ser de sua redação dúbia: debate entre a Escola Clássica (Carrara) e as Escolas Positiva e Técnico-Jurídica (Ferri, Manzini, Rocco). A influência do regime fascista italiano no Direito Processual Penal brasileiro. Trecho da Exposição de Motivos do CPP de Francisco Campos (ver no CPP). Quis o legislador brasileiro adotar uma postura neutra, asséptica, no que concerne à posição do acusado frente ao processo penal. Com a CF/88, não conseguiu.

Constitucionalização da presunção de inocência: aplicação imediata do preceito e vinculação de todos que lhe devem obediência.

Tríplice função:

REGRA PROBATÓRIA (Cf. o art. 8.º, 2, da CADH: “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”). A distribuição do ônus da prova e sua visão contemporânea que o deixa a cargo do órgão estatal incumbido da acusação. As observações de Afrânio Silva Jardim e de Eugenio Pacelli sobre o tema.

REGRA DE TRATAMENTO: Impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de culpabilidade (banco dos réus, uso de algemas, divulgação abusiva de fatos, prisão cautelar desnecessária, recolhimento à prisão como pressuposto do exercício do direito ao recurso, vedação de execução provisória da pena).

REGRA DE GARANTIA: a atividade acusatória ou probatória deve observar estritamente o ordenamento jurídico, de sorte que se permita uma construção legitimada frente à Constituição para afastar a inocência do sujeito de direitos que é o réu.

A presunção de inocência tem reflexo também no Direito Penal, na medida em que substancia um mandamento ao legislador que veda a fixação de responsabilidade penal amparada em fatos presumidos ou em presunção de culpabilidade.

1.7.9.   Juiz Natural

Duplo aspecto. Juiz é o órgão investido de jurisdição. Proibição de criação de órgãos julgadores post factum. Todo cidadão tem direito a ser julgado por um magistrado com competência previamente definida em lei.

Vedação ao Tribunal de exceção.

Juiz competente, pré-constituído, lei.

Juiz imparcial.

Imparcialidade do Juiz. O magistrado deve guardar posição eqüidistante em relação às partes. Busca da imparcialidade, que não se confunde com a neutralidade (inatingível).

1.7.10.Promotor Natural

Decorrência da própria idéia de Juiz natural. Magistratura pró-sociedade. Repugnância à figura do “acusador de exceção”.

Precedentes relevantes: STF, HC 67.759/RJ; STF, RE 387.974/DF.

Cf. também HC 83.463/RS;

1.7.11.Publicidade

Acusação e defesa desenvolvem-se publicamente, para que, publicamente, se decida a causa posta em juízo.

Publicidade imediata: todos os atos do processo estão ao alcance de todos.

Publicidade mediata: os atos processuais se tornam conhecidos por meio de certidão.

Publicidade geral: publicidade em sentido amplo.

Publicidade restrita: refere-se às partes no processo. Exemplo: CPP 792.

Tribunal do Júri: vedada a publicidade restrita. Recepção da “sala secreta” pela CF/88? James Tubenchlak e Hermínio Marques Porto. Sim. Amolda-se à cláusula constitucional do “sigilo das votações”.

1.7.12.Duplo grau de jurisdição

Duplo grau de jurisdição: confiabilidade, maior experiência dos juízes, julgamento colegiado e controle interno do próprio Judiciário (satisfaz a exigência de uma explicação o mais perfeita possível da atividade jurisdicional). Críticas: desprestígio ao juiz de primeiro grau e desprestígio à oralidade.

A Constituição de 1988 consagra o duplo grau de jurisdição?

Argumentos favoráveis: estrutura do Poder Judiciário prevista no texto constitucional, a expressão “recursos” contida na cláusula constitucional de ampla defesa, o desdobramento do direito constitucional de ação e a previsão expressa contida no Pacto de São José da Costa Rica (status de norma constitucional do Pacto de São José: art. 5.º, § 2.º, da CF/88).

Argumentos contrários: não há previsão constitucional de duplo grau; o que se assegura é o direito à revisão, e não à apreciação por outro órgão; as normas do Pacto de São José (CADH) não possuem status constitucional.

A compreensão do princípio do duplo grau de jurisdição pelos Tribunais pátrios: sentido e alcance.

Cf. STF, RHC 79.785/RJ (julgado anterior à EC 45/2004, que inseriu o § 3.º ao art. 5.º da CF.

1.7.13.Princípio da duração razoável e da celeridade

Novidade incluída pela Reforma do Judiciário:

Art. 5.º. omissis.

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

A metáfora de Aury Lopes Jr: o difícil equilíbrio do ciclista. A garantia de um processo que não seja tão rápido a ponto de solapar garantias, mas que não seja tão lento a ponto de transformar-se em uma pena de per si. O direito brasileiro adotou a teoria do não-prazo, isto é, não trouxe qualquer previsão expressa do que seja prazo razoável. Igualmente não trouxe sanções para a não observância do que se entenda por prazo razoável. Compreensão do princípio à luz da proporcionalidade e da ponderação de valores. Possibilidade de utilização de instrumentos como, por exemplo, a atenuante genérica prevista no Código Penal.

Duração razoável do processo - bom texto do Aury Lopes Jr.

Artigo do Boletim IBCCRIM nº 152 - Julho / 2005


A (de)mora jurisdicional e o direito de ser julgado em um prazo razoável no processo penal

Aury Lopes Jr.

Doutor em Direito Processual Penal, professor Prog. Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC/RS, pesquisador do CNPq e advogado



LOPES JÚNIOR, Aury. A (de)mora jurisdicional e o direito de ser julgado em um prazo razoável no processo penal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.13, n.152, p. 4-5, jul. 2005.

A) Introdução: ritmo social e tempo do Direito

Entre as modificações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45, está, finalmente, a consagração constitucional do “direito de ser julgado em um prazo razoável” (1), inserida agora no art. 5º, LXXVIII da CB, ainda que anteriormente já estivesse prevista nos arts. 7.5 e 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).

É inegável que o direito juridiciza o tempo e, por outro lado, o tempo, tem­poraliza o Direito. Trata-se de uma íntima relação e interação que vive em constante choque com o acelerado ritmo social que caracteriza a sociedade contemporânea, onde a velocidade é a alavanca do mundo (Paul Virilio). O presenteísmo e a cultura da urgência são estruturantes da nossa sociedade e, por conseqüência, afetam diretamente o processo penal e o ritual judiciário.

Ao lado de uma sociedade estupidamente acelerada, em que a urgência tornou-se a normalidade e o instantaneismo da tele-presença (tele-ação) uma rotina, o conflito com o ritmo lento do processo é inevitável e traumático. O difícil é convencer que não se pode pretender trazer para dentro do processo a mesma percepção que temos do tempo social ou do tempo midiático, pois o processo penal nasceu para retardar, para demorar, para evitar os juízos imediatos, sob o calor da emoção e a alucinação (2) da imagem.

Por outro lado, é elementar que o processo penal necessita de uma “aceleração”, mas não através da supressão de direitos fundamentais (aceleração antigarantista), senão pela inserção de tecnologia, resolução de primários problemas de recursos humanos, na racionalização de uma burocracia estupidamente retrógrada e que está arraigada no ritual judiciário (v.g. as absurdas decisões do STF considerando intempestivo um recurso apresentado antes da abertura do prazo!).

Tampouco podemos ir excessivamente devagar, pois o processo é uma pena, capaz de gerar um grave estigma social e jurídico (Goffman); um empobrecimento generalizado da pessoa; um stato di prolungata ansia, enfim um feixe de verdadeiras penas processuais que punem antes mesmo de a sentença ser proferida. E, quanto mais tempo demorar o processo penal, maior será a pena processual.

O problema aqui é a (de)mora jurisdicional, que nos remete ao próprio conceito (em sentido amplo) da “mora”, na medida em que existe uma injustificada procrastinação do dever de adimplemento da obrigação de prestação jurisdicional. É o não-cumprimento de uma obrigação de tutela claramente definida. Nessa perspectiva insere-se o direito de ser julgado em um prazo razoável ou a um processo sem dilações indevidas, previsto pelo art. 5º, inciso LXXVIII. Mas, como de costume, o instituto chega com bastante atraso e com uma disciplina legal precária, que conduzirá a uma provável ineficácia.

B) O erro: adoção da teoria do não-prazo

O que é duração razoável? O que é indevida dilação? Para ser “indevida”, deve-se buscar o referencial “devida”, enquanto marco de legitimação, verdadeiro divisor de águas. Igual raciocínio exige a “duração razoável”.

Eis aqui o mais grave erro do legislador brasileiro: desconhecer os mais de 30 anos de jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) nessa matéria.

Desde o caso “Wemhoff” (3) (STEDH de 27/06/1968), o TEDH vem debatendo-se em torno de critérios para definir o que seja um prazo razoável para julgamento. A discussão evoluiu e, atualmente, trabalha com as seguintes variáveis: a) complexidade do caso; b) a atividade processual do interessado (que obviamente não poderá se beneficiar de sua própria torpeza); c) a conduta das autoridades judiciárias (como um todo, abrangendo polícia, MP e juiz). A eles, acrescente-se o principio da proporcionalidade.

Mas o resultado final, ainda assim, é excessivamente vago e discricionário. Esse é o grave inconveniente da adoção da teoria do não-prazo, assim chamada pela falta de um critério claro (prazo) de duração do processo. A ausência de um limite de duração máxima do processo penal compromete a eficácia do direito de ser julgado em um prazo razoável, na medida em que conduz ao emprego de uma cláusula genérica (razoável duração), de conteúdo vago, impreciso e indeterminado.

Pastor (4) acertadamente critica a doutrina do não-prazo, pois se, inteligentemente, não confiamos nos juízes a ponto de delegar-lhes o poder de determinar o conteúdo das condutas puníveis, nem o tipo de pena a aplicar, ou sua duração sem limites mínimos e máximos, nem as regras de natureza procedimental, não há motivo algum para confiar a eles a determinação do prazo máximo razoável de duração do processo penal, na medida em que o processo penal em si mesmo constitui um exercício de poder estatal, e, como todas as demais formas de intervenção do Estado, deve estar meta­ju­di­cial­mente regulado, com precisão e detalhe.

C) O caótico sistema brasileiro

No Brasil, a situação é gravíssima, pois não existe limite algum para a duração do processo penal (que não se confunde com prescrição) e, o que é mais grave, sequer existe limite de duração das prisões cautelares. Infelizmente, a cada dia os Tribunais avalizam a (de)mo­ra judicial a partir dos mais frágeis argumentos, invocando a gravidade (in abstrato?), o clamor público (ou seria opinião publicada?), ou a simples rotulação de “cri­me hediondo”, como se essa infeliz definição legal se bastasse, auto-legitimando qualquer ato repressivo.

É óbvio que o legislador deve sim estabelecer de forma clara os limites temporais do processo e das prisões cautelares, até porque, as pessoas têm o direito de saber (dimensão democrática), de antemão e com precisão, qual é o tempo máximo que poderá durar um processo penal. Estamos diante de exercício de poder e que, portanto, necessita e exige limites e controle (inclusive temporal). Trata-se de um mínimo de respeito às regras éticas do jogo (e aqui emprego o conceito de Calamandrei, il processo come giuoco, ou de guerra, de James Golds­chmidt).

Um bom exemplo de limite normativo interno encontramos no CPP paraguaio: o prazo máximo de duração do processo penal será de 3 anos (art. 136), após o qual, o juiz o declarará extinto (adoção de uma solução processual extintiva). Também fixa um limite para a fase pré-processual, que uma vez superado, dará lugar a extinção da ação penal. Por fim, existe ainda a resolução ficta, quando a Corte Suprema não julgar um recurso interposto no prazo devido. Se o recurso é da defesa, uma vez superado o prazo máximo previsto para sua tramitação, entender-se-á que o pedido foi provido na sua integralidade. Quando o postulado for desfavorável ao imputado (recurso interposto pelo acusador), superado o prazo sem julgamento, o recurso será automaticamente rechaçado.

Além disso, deve-se estabelecer um dever de revisar periodicamente o decreto de prisão cautelar, pelo próprio juiz, como o fazem o CPP português (a cada 3 meses, art. 213.1) ou o alemão (a cada 3 meses, StPO § 122).

É fundamental definir claramente o prazo máximo de duração do processo penal, das prisões cautelares e, ainda, em relação a essas últimas, o dever de revisar periodicamente a medida, para evitar que o provisório transforme-se uma desmedida pena antecipada.

D) Em busca de “soluções”: compensatórias, processuais e sancionatórias

Reconhecida a efetiva violação do direito a um processo sem dilações indevidas, em síntese, deve-se buscar uma das seguintes soluções (5):

Na esfera cível, pode-se buscar uma compensação indenizatória, mas, no mínimo, o “dano processual” deve ser triplicado, diante da necessidade de a parte suportar dois processos de conhecimento (o penal, gerador do dano inicial, seguido do processo de conhecimento na esfera civil) e um de execução (cível). Contudo, em última análise, a violação do direito de ser julgado num prazo razoável conduz a reiteração da violação do mesmo direito, pois novamente o imputado terá de suportar a longa (de)mora judicial.

Na esfera penal, a compensação poderá ocorrer através da atenuação da pena ao final aplicada (incidência da atenuante inominada, art. 66 do CP) (6) ou mesmo concessão de perdão judicial, nos casos em que é possível (v.g. art. 121, § 5º, art. 129, § 8º do CP). Nesse caso, a dilação excessiva do processo penal — uma conseqüência da infração — atingiu o próprio agente de forma tão grave, que a sanção penal se tornou desnecessária. Outro caminho é a “solução” sancionatória, através da punição do servidor (incluindo juízes e promotores) responsável pela dilação indevida. Nessa linha vem a tímida (nova) redação do art. 93, II, “e” da Constituição. Mas todos esses instrumentos são paliativos. O ideal é operar na dimensão processual, com a extinção do feito pela demora excessiva (ou a pena de inutilizzabilità do art. 407.3 do CPP italiano), em prazos muito inferiores aos da prescrição (até porque, o objeto aqui é outro). Mas isso ainda encontra sérias resistências e o modelo brasileiro não contempla nenhuma solução verdadeiramente processual.

E) Concluindo: o difícil equilíbrio do ciclista

O primeiro problema é a falta de uma clara definição do prazo máximo de duração do processo penal. Esse é o ponto nevrálgico da questão. Contudo, diante da ausência, a consagração constitucional já representa um avanço democrático: respeitar o tempo-do-outro. A preocupação centra-se agora em acelerar o processo para evitar a ilegítima pena processual decorrente da (de)mora. Mas, ao mesmo tempo, recusar a aceleração utilitarista, fundada na supressão de direitos e garantias fundamentais. A solução está no difícil equilíbrio do ciclista (somente pos­sível no movimento): não correr demais, para não cair; não ir excessivamente devagar, porque senão, igualmente caímos. Esse é o equilíbrio que se busca, através da recusa aos dois extremos.

Noutra dimensão, jamais os fins justificam os meios, de modo que o reconhecimento da culpabilidade do acusado, através da sentença condenatória, não justifica a duração excessiva do processo. Tampouco podemos admitir o já surrado discurso do excesso de trabalho para justificar uma longa demora. Como bem decidiu o TEDH no caso “Bucholz”, é inadmissível transformar em “devido” o “indevido” funcionamento da justiça. Co­mo afirma O TEDH, “lo que no puede suceder es que lo normal sea el funcio­na­mien­to anormal de la Justicia, pues los Estados han de procurar los medios ne­ce­sa­rios a fin de que los procesos transcurran en un plazo razonable”.

Por fim, para compreender a verdadeira pena processual que encerra a demora indevida, recordemos de Einstein (7), na clássica explicação que deu sobre Relatividade à sua empregada: “quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita, durante uma hora, tem a impressão de que passou apenas um minuto. Deixe-o sentar-se sobre um fogão quente durante um minuto somente — e esse minuto lhe parecerá mais comprido que uma hora. Isso é relatividade”. Esse é o tempo no processo penal: tempo sentado na chapa quente do fogão.

Notas

(1) Sobre o tema, consulte-se nossa obra Introdução Crítica ao Processo Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005.

(2) LOPES Jr., Aury. “A contaminação da evidência sobre a verdade: prisão em flagrante, alucinação e ilusão de certeza”. In: Introdução Crítica ao Processo Penal, pp. 267 e segs.

(3) Cf. PASTOR, Daniel. El Plazo Razonable em el Proceso del Estado de Derecho, Buenos Aires: Ad Hoc, 2002, pp. 111 e segs.

(4) Idem, ibidem, p. 60.

(5) LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal, pp. 120 e segs.

(6) Nesse sentido, consulte-se o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Ap. nº 70007100902, 5ª Câmara Criminal, rel. des. Luiz Gonzada da Silva Moura, j. 17/12/2003.

(7) EINSTEIN. Vida e Pensamentos, p. 100.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Textos novos - Processo Penal

Atenção, há textos novos no nosso site.
http://sites.google.com/site/monofinal/leituras-de-processo-penal-na-fesmpdft
Vale conferir!